Sophie Germain
No mundo
predominantemente masculino da matemática universitária do século XVIII,
era difícil que mulheres talentosas fossem aceitas. Desestimuladas a
estudar o assunto, eram impedidas de entrar na universidade ou de fazer
parte de academias. Uma matemática que teve que lutar contra tais
preconceitos foi Sophie Germain (1776-1831).
Sophie
Germain era filha de um comerciante que, embora financeiramente bem
sucedido, não pertencia à aristocracia. Nunca se casou, tendo tido sua
carreira universitária financiada pelo pai que mais tarde se tornou
diretor de Banco da França.
Ainda
adolescente, confinada ao lar devido aos tumultos na cidade, passou
muito tempo pesquisando a biblioteca de seu pai. Lá encontrou o livro
História da Matemática, de Jean-Étienne Montucla. O livro continha a
enorme relação das descobertas de Arquimedes. Pôs-se a estudar a teoria
básica dos números, Cálculo e os trabalhos de Leonhard Euler e Isaac
Newton. Os pais se opunham com veemência a tais atividades por acreditar
que seriam prejudiciais a moça. À noite, chegaram a remover o
aquecimento e a luz da filha e a esconder suas roupas para dissuadi-la,
mas ela persistiu e eles acabaram cedendo.
A
biblioteca tornou-se pequena para o seu desejo de aprender. Em 1794, até
hoje célebre École Polythenique foi inaugurada em Paris, mas Sophie não
pôde cursá-la por ser mulher. Mesmo assim, conseguiu umas notas de um
curso de Análise que Lagrange acabara de ministrar naquela instituição.
Fingindo ser um dos alunos da École, sob o pseudônimo de M. Le Blanc,
Sophie submeteu a Lagrange umas notas que tinha escrito sobre Análise.
Lagrange ficou tão impressionado com o artigo que procurou conhecer seu
autor. Quando, nervosa, Germain apareceu, ele se espantou mas ficou
contente. Passou a lhe dar toda a ajuda e estímulo, pondo-a em contato
com outros matemáticos franceses e auxiliando-a a desenvolver os
interesses matemáticos.
Outra correspondência produtiva foi com o grande Gauss. Os recentes Disquistione Arithmeticae sobre a teoria dos números impressionaram tanto Sophie Germain que ela juntou coragem para lhe mandar as suas descobertas, preferindo mais uma vez se apresentar como Monsieur Le Blanc da École Polytechnique.
Um dos assuntos preferidos de Sophie Germain é a Teoria dos Números, especialmente, o último teorema de Fermat para o qual ela obteve vários resultados novos e provou especificamente que, se for um número primo menor do que 100, então o último teorema de Fermat não admite soluções inteiras positivas se , e forem primos entre si e entre cada um e . Ela trocou correspondência com Gauss sobre esse assunto, mas certa ocasião, ele demonstrou pouco interesse nesse problema dizendo que poderia elaborar alguns problemas semelhantes a esse e cuja prova está além do alcance de qualquer um.
Ela correspondeu com Gauss usando o pseudônimo de M. Antonie Le Blanc, mas sua identidade foi revelada em 1807, quando soldados franceses ocuparam a cidade de Hanover, onde Gauss morava. Com medo de que Gauss tivesse destino semelhante ao de Arquimedes, ela entrou em contato com o general Pernety, comandante francês e amigo da família, que concordou em garantir a segurança de Gauss e lhe revelou a fonte do pedido. Gauss lhe escreveu para lhe contar a sua surpresa e o seu prazer, elogiando-a pela "mais nobre coragem, talento bastante extraordinário e gênio superior."
Em 1808, quando Gauss foi para Gottingen, Sophie Germain perdeu o interesse pela Teoria dos Números e, inspirada por algumas palestras do físico alemão Ernst Chladni, envolveu-se com elasticidade e acústica; Chladni espalhara areia num prato de vidro e observara os desenhos surgidos ao passar um arco de violino na borda do prato.
Essas observações não tinha base teórica conhecida, e a Academia de Ciências francesa ofereceu um prêmio para quem formulasse uma teoria matemática para as superfícies elásticas e explicasse como concordava com a observação. Com alguns resultados de Sophie Germain, Lagrange descobriu a equação diferencial parcial das vibrações de um prato plano, a partir da qual ela desenvolveu uma teoria geral das vibrações de uma superfície curva. Isso impressionou tanto os juízes que ela ganhou o prestigioso prêmio e uma medalha do Instituto da França. Mais tarde, o seu trabalho nessa área foi a base da moderna teoria da elasticidade.
Posteriormente, em seus últimos anos, refez o seu relacionamento com Carl Gauss, que convenceu a Universidade de Gottingen a premiá-la com um grau honorário. Antes que a universidade lhe tivesse concedido a honraria, Sophie Germain morreu de câncer no seio.
Embora tenha sido ela, provavelmente, uma das mulheres com maior capacidade intelectual que a França produziu, na notícia oficial de sua morte foi designada com uma rentière-annuitant (solteira sem profissão) - ao invés de matemática, além de ter sido omitido o seu nome da relação dos setenta e dois sábios cujas pesquisas contribuíram definitivamente para a construção da Torre Eiffel - quando os seus estudos para estabelecer a teoria da elasticidade foram fundamentais para a construção daquela torre.